Existe uma coisa no cinema norte-americano que incomoda tanto quanto os clichês e o formato pré-fabricado das produções dos grandes estúdios, direcionadas para a maior quantidade possível de espectadores e presas a regras que mutilam a inteligência e a criatividade. O famoso, debatido e cultuado cinema independente dos EUA, que nos deu gente do porte de David Lynch, Todd Solondz e Wes Anderson, ficou tão estático que se enraizou, criando regras que, se não reproduzem, crescem paralelas àquelas que motivaram seu surgimento. O cinema independente, que deveria ser desprendido, ágil e mutável, está engessado por uma necessidade, quase que corrosiva de sua própria natureza, de chamar atenção pelo choque. Seja ele estético ou de linguagem.

A estética do choque é viciosa e destrutiva. Os diretores independentes criam artifícios que, analisados com o mínimo de distanciamento, soam tão programados para gerar determinado tipo de reação que perdem o impacto e a graça. Nem sempre o bizarro é o inteligente.

Steven Shainberg caiu direitinho na armadilha do filme independente. Fez um filme que quer mostrar tanto que é esquisito, que aborrece pelo excesso. Shainberg, como já foi dito, se preocupa com a câmera, com a direção de arte, mas quase que abandona a simplicidade em se contar uma história. A que escolheu para adaptar parece tão artificial que causa estranhamento e distanciamento.

Dirige muito mal uma atriz que, nas entrelinhas, demonstra que pode ser grande um dia. Maggie Gyllenhaal desequilibra sua atuação com momentos de inteligência e clichês de caras e bocas de “olha como eu sou uma coitadinha”. Jeremy Davies faz o maluquinho interiorano padrão dos filmes independentes. A surpresa mesmo aqui é James Spader, um dos atores símbolo da Brat Pack Generation (que nos deu Rob Lowe, Molly Ringwald e Andrew McCarthy, entre outros), que está sutil, cheio de tiques e finalmente virou homem, deixando para trás a imagem de vilãozinho de filmes adolescentes.

Os clichês são evitados em poucos momentos do filme, sobretudo em sua meia hora final, onde o diretor parece encontrar o timing correto da direção de atores, mas o desfecho e algumas soluções (como a incursão televisiva na história), surpreendem. Surpresa negativa porque o filme que passa o tempo inteiro negando a grande fórmula e se rendendo às pequenas, termina se curvando a chavões do cinemão, o que não dá para entender. No balanço, Secretária tem elementos interessantes completamente mal aproveitados.

Secretária
Secretary, EUA, 2002
Direção: Steven Shainberg.
Elenco: Maggie Gyllenhaal, James Spader, Jeremy Davies, Lesley Ann Warren, Stephen McHattie, Patrick Bauchau, Jessica Tuck, Oz Perkins, Amy Locane, Mary Joy, Michael Mantell, Lily Knight, Sabrina Grdevich, Lacey Kohl, Julene Renee, Lauren Cohn.
Roteiro: Erin Cressida Wilson, com base na históiria adptada por ela e por Steven Shainberg, baseados no conto de Mary Gaitskill. Produção: Steven Shainberg, Andrew Fierberg e Amy Hobby. Fotografia: Steven Fierberg. Edição: Pam Wise. Direção de Arte: Amy Danger. Figurinos: Marjorie Bowers. Música: Angelo Badalamenti.

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